José Cancela Moura: A cana

18 de fevereiro de 2021
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O segundo confinamento geral determinou o encerramento da restauração. Metade do setor está encerrado e a outra metade, ou funciona em “take-away” ou faz às entregas ao domicílio.

Face a esta quase destruição do tecido empresarial do setor, em que muito desesperam para pagar salários, e outros tantos não têm como pagar os custos fixos e aos fornecedores, o que se esperava era que o mesmo Governo que obrigou ao fecho de portas, em contrapartida, recorresse a todos os meios de Estado para apoiar de modo efetivo a sustentabilidade destas micro e pequenas empresas e a manutenção de milhares de postos de trabalho, que se encontram em risco. Mas, pelos vistos, bem podemos esperar sentados.

A PRO.VAR, associação nacional de restaurantes, não está com meias medias e di-lo com as letras todas, acusando o Governo de enganar os empresários do setor. Afinal, os propalados apoios prometidos pelo ministro da Economia esbarram numa teia de burocracia, sem precedentes. Afinal, cerca de 50 mil empresas estão mergulhadas num emaranhado de papéis para se candidatarem a umas migalhas, que os tire do fundo do abismo em que se encontram.

“Mais dinheiro e pagamentos mais céleres”, anunciava Pedro Siza Vieira, quando apresentou os apoios às empresas, face a um novo período de confinamento. Só que as semanas passam, umas atrás das outras e nem os apoios são aprovados, nem o dinheiro chega. E, pese embora, a promessa adiada, o Executivo insiste na estratégia comunicacional, de que são exemplo mensagens como “O Governo anuncia”, “O Governo prepara”, “O Governo avança”, “O Governo vai adotar medidas”. Só propaganda, que não passam das intenções e de boas intenções está o inferno cheio!

E o que mais se lamenta, é que nem numa situação tão dramática quanto esta, o Governo se liberte da guerrilha partidária. A pandemia tirou 12 milhões de turistas e subtraiu 3 mil milhões de euros de receitas ao país. Na restauração, em muitos casos, já não haverá retoma, porque para grande parte dos empresários, com a corda ao pescoço, sobrará apenas a declaração de insolvência. A vacina já está a ser administrada, mas para muitos também não haverá segunda oportunidade. E nem o tacticismo político, nem deriva ideológica do PS resolvem coisa nenhuma. Importava mesmo era que, em vez de promessas, o Governo fizesse. E não faz.

O mesmo PS, preconceituoso, que se identifica com a esquerda que quer tirar os brasões dos jardins da Praça do Império. O mesmo PS, que acena com a bandeira das políticas sociais, mas que lamentavelmente confere prioridade a agendas dominadas por não assuntos, que os meios de comunicação potenciam, como correias de transmissão. O mesmo PS que, no auge da maior crise económica e social dos últimos cem anos, prefere a ideologia e os jardins à resolução dos problemas reais. Ridículo!

A propósito deste dislate, ocorre-me uma estória sobre a tradicional, velha e gasta dicotomia entre a esquerda e a direita, que de certo modo ilustra a diferença. Conta-se que um velho tio, conservador, terá lançado um repto à sobrinha, adolescente: “Se fosses Primeira-Ministra, qual seria a tua primeira decisão?”, ao que esta terá respondido: “Daria comida e casa a todos os sem-abrigo”. Os pais da adolescente, adeptos inconfessáveis da esquerda, orgulhos da resposta da filha, exclamaram: “Bem-vinda à esquerda, minha filha!”. Mas para que o desafio ficasse completo, o tio retorquiu: “Louvo-te a intenção, que é generosa, mas não precisas de ser Primeira-Ministra para ajudares os sem-abrigo. Por exemplo, podes ir a minha casa cortar a relva do jardim, eu dou-te 50 euros pelo teu trabalho, que tu podes entregar ao primeiro sem-abrigo que encontrares”. Ao que a sobrinha, surpreendida, respondeu: “Tio, mas por que razão não vai o sem-abrigo, ele próprio, a tua casa cortar a relva e seres tu a pagar-lhe diretamente?”. E o tio respondeu: “Bem-vinda à direita!”. Básico! A diferença é tão simples, como a conclusão.

O PS continua a alimentar uma esquerda que pensa e decide assim, com mais direitos que deveres, esquecendo que a verdadeira igualdade significa tratar todos da mesma maneira. Que a desigualdade social e económica se combate mais pela igualdade direitos e oportunidades, do que a concessão de privilégios. Ou, na esteira do secular provérbio chinês: “A quem tem fome não lhe dês um peixe, mas ensina-o a pescar”.

Os empresários da restauração precisam de incentivos de emergência, como de “pão para a boca” para sobreviverem, com dignidade, à pandemia e dispensam a conversa fiada da dita esquerda, do luxo escondido ou do chique radical. A História já provou à saciedade quanto vale a esta visão, simplista e alienada, das sociedades e da economia.

Artigo publicado originalmente no Povo Livre