HINOS & MÚSICAS

O cancioneiro social-democrata: a História contada, a História cantada
 

Por ANDRÉ MORAIS (militante da concelhia de Coimbra)

O medley (ou mistura) das mais famosas canções que compõem o cancioneiro eleitoral do Partido Social-Democrata é já uma daquelas tradições, que até pode passar despercebida aos de fora, mas que marca os muitos militantes e simpatizantes que participam nos jantares de celebração do aniversário do Partido.
 

Esse tradicional medley foi a minha motivação para escrever sobre algumas das mais marcantes canções deste cancioneiro, uma combinação de canções eleitorais – mais ligadas ao Partido ou a um seu Presidente em particular – que permitem contar, a cantar, uma parte da História do PSD.


Este texto – necessariamente breve – não pretende esgotar todo o universo do cancioneiro do PSD, mas apenas abarcar algumas das canções que, pelo seu contexto, pela liderança que as “lançou” ou mesmo e até pela sua própria qualidade musical, ganharam um lugar no panteão das canções que galvanizam as hostes do PSD e que mexem com as emoções dos mais nostálgicos.

 

Os Primeiros anos: Paz, Pão, Povo e Liberdade (1974)

A História do cancioneiro social-democrata, tal como a do próprio Partido, começa precisamente em 1974, com uma canção com letra de Paulo de Carvalho e música de José Calvário (militante do PPD a quem voltaremos, pelo seu importante papel criador no cancioneiro social-democrata), sob o título programático - e vincadamente ideológico - “Paz, Pão, Povo e Liberdade”.
 

Depois de quase cinco décadas sob o jugo do Estado Novo, este era o “nascer de um novo dia” e o então PPD apresentava-se a eleições “no caminho da verdade”, louvando o Povo que, “trabalhando pelo pão”, com toda a sua vontade, ganhara a liberdade.
 

Paulo de Carvalho viria a afastar-se do PPD, militando no PCP e, quarenta anos volvidos, retomou a escrita de um hino de campanha, agora para a CDU. No entanto, deixou ao (agora) PSD este icónico hino que ainda hoje é de reprodução obrigatória em eventos do Partido.


Com efeito, “Paz, Pão, Povo e Liberdade” tornar-se-ia um dos hinos do PSD, sabido de cor e salteado por militantes e simpatizantes do PSD, e que, nos seus diferentes arranjos, seria usado em campanha em diferentes anos.

 

A Aliança Democrática e Natália Correia (1979)

Portugal segue o seu caminho e, findo o curso do PREC, já em 1976, o PPD torna-se PSD. 

Em 1979, o PSD junta-se ao CDS-PP, liderado pelo Professor Diogo Freitas do Amaral, e ao PPM, encabeçado pelo Arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles, formando a Aliança Democrática (AD), que também contou com um grupo de intelectuais de enorme valia.
 

Entre esses intelectuais pontificava Natália Correia, de cuja pena, aliada à composição de José Calvário (novamente o Calvário), sairia uma belíssima canção, cuja elevada qualidade merece que nos detenhamos sobre ela.
 

O “Hino da Aliança Democrática”, mais do que uma mera canção eleitoral, é todo um louvor à Portugalidade, à crença profunda e telúrica num Portugal – com “Asas abertas da esperança / do Minho Algarve unido” – que, com as suas fortes raízes (“Para honrar antepassados, / contem conosco os vindoiros!”), cresce e emerge para lá das grilhetas que se lhe impõem.
 

O elemento feminino de Natália – tão presente na sua obra e na sua ação cívica – marca também presença nesta canção maior do cancioneiro social-democrata, com a invocação gloriosa das suas “[m]ulheres com ânimo ardente / [que] brilham nas nossas fileiras / trazem Portugal no ventre / e não estão pr’a brincadeiras.” Não estavam para brincadeiras, não senhor e, se dúvidas houvesse, Natália desfê-las, ao escrever que “isto agora é sim ou não!”.
 

Pelo meio, surge todo um retrato fiel do Portugal de então, o Portugal rural, o Portugal que a AD procurava despertar e mobilizar naquelas eleições de 1979. É precisamente desse Portugal que nos fala Natália, com as suas “colchas nas janelas” e o apelo ardente às caiadeiras – “Caiai, caiai, caiadeiras, / caiai este nosso lar!” – que, com o seu trabalho, tingem de um luminoso branco as casas que ombreiam as ruas, por onde os carros de campanha da AD iam passando.
 

A terminar este belíssimo manifesto cantado, surge uma exortação premonitória – “Desabrochai flores do pinho, / venham novos trovadores, / com Portugal por destino, / hão-de vencer nossas cores!” – e as cores da AD original venceriam mesmo, alcançando a primeira maioria absoluta em eleições legislativas livres e democráticas.

 

Sá Carneiro: legado e perda (1980)

Os anos passaram e os governos sucederam-se. De permeio, em 1980, o PSD perdeu, num trágico desastre, o seu fundador e referência – Francisco Sá Carneiro

Perdido o líder, perdida a estrela maior da constelação social-democrata, ficou o luto e um culto que não mais se perderia, tal como não mais o seu busto deixaria o palco dos sucessivos congressos social-democratas.

 

Cavaco Silva e o hino “Nós Somos um Rio” (1985)

Chegados a 1985, governa um Bloco Central formado pelo PSD e pelo PS, que não satisfazia o novo líder dos sociais democratas – um conceituado e ambicioso economista chamado Aníbal Cavaco Silva.
 

Na sequência da demissão apresentada pelo então Primeiro-Ministro, Mário Soares, os portugueses são, de novo, chamados às urnas para eleger uma nova composição da Assembleia da República.
 

Além de um novo líder, o PSD apresenta-se com uma nova canção, que viria a tornar-se tão marcante para a História do Partido quanto o seria o seu candidato, Partido esse que, agora e coletivamente, se assumia com a força de um caudal e cantava “Nós somos um rio”.
O autor da letra é ninguém menos do que Manuel Dias Loureiro, originário de Aguiar da Beira, com passagem académica por Coimbra, um dos homens fortes do Partido e uma das principais forças motrizes do cavaquismo.
Foi da sua pena que saiu esta mítica canção, com música do José Calvário (sempre o Calvário!) e que seria interpretada pelo Coro de Santo Amaro de Oeiras.
 

A ambição não era pouca: “Nós vamos fazer um País novo / mão na mão há de nascer vontade”. Prometia-se um País novo, trabalhava-se para um País novo e, no ar, já pairava o cheiro a País novo, mas as referências eram também as de há 11 anos, pois mobilizava-se o povo social-democrata para “cantar ‘povo’, / Cantar ‘paz’, cantar ‘pão’, ‘liberdade’.”
 

O País novo viria sob a forma da primeira vitória eleitoral, a solo, do PSD, logo em 1985, seguida da primeira maioria absoluta de um partido só, em 1987, reforçando a capacidade do PSD formar Governo e imprimir as necessárias mudanças liberalizadoras por que o País ansiava, ainda no duro rescaldo dos anos do PREC.
 

O PSD propunha-se a governar e guiar, “mão na mão”, um País que se juntava, entretanto, ao clube da Europa desenvolvida e evoluída, para onde a ambição portuguesa levava os sonhos de um País que acordara.

 

“Portugal esta terra” (1991)

Chega 1991 e, com ele, novas eleições legislativas, em que o PSD se volta a apresentar a votos com o mesmo Cavaco Silva como líder, mas com um novo hino nos megafones dos carros de campanha que lá iam, “de cidade em cidade / nos campos, com o vento vão”, como escreveu Natália.
“Portugal esta terra” era a música que os megafones desses carros passavam, no ano de 1991, procurando apelar ao voto d’“esta gente, que é uma ideia”.
 

“Esta terra”, que era “um País dentro do peito, dentro de nós a pulsar”, uma “terra que é feita de tanta terra, de tanto mar, é esta terra que é feita do azul que faz o mar” reconfirmaria um PSD absoluto, renovando a maioria e permitindo ao executivo liderado por Cavaco Silva governar mais quatro anos, até 1995.


Desses anos do cavaquismo, fica, por essa terra e esse mar da canção eleitoral, um rasto de obra feita, reformas conseguidas e resultados apresentados. O líder do PSD, que seria o mais votado político da democracia portuguesa, implementou todo um programa de reformas económicas e obras estruturais, um legado que permitia a Portugal apresentar-se, neste último ato do século XX, como um País decididamente europeu, decididamente liberal e mais apto para enfrentar os desafios e agarrar as oportunidades de uma Europa de fronteiras abertas.

 

Fernando Nogueira e “Querer Fazer Portugal” (1995)

É nesse ano de 1995 que o PSD se apresenta a eleições, já sem Cavaco Silva na liderança, mas com um ilustre cavaquista de seu nome Fernando Nogueira, uma verdadeira reserva moral do Partido e do País. Apresenta-se também com um novo hino que, em meados da década de 1990 e, já na reta final do século XX, apontava o rumo ao “Portugal do Futuro”.
 

“Querer Fazer Portugal”, o hino nogueirista, introduz também no cancioneiro social-democrata, de uma forma já desempoeirada e livre das amarras (também) estéticas dos anos pós-revolucionários, a temática da História de Portugal, num apelo ao mar e aos Descobrimentos que, de alguma forma, “Portugal esta terra” já ensaiara.
 

O hino de 1995 começa com um apelo transcendental (“Arde, meu coração, arde”) e patriótico (“Portugal já não tem mais fim” e “Pátria minha da força e do ferro”), puxando por uma elevada ambição (“Ir tão alto ao lugar das aves”) de “combater e ganhar Portugal do futuro”.
Contudo, o poder, como tudo, também se gasta e desgasta, e a “fatura” de 10 anos de liderança do PSD, sob a batuta do cavaquismo, viria sob a forma de uma vitória eleitoral do PS, chefiado por António Guterres.
 

Nos sete anos seguintes, o futuro do Governo de Portugal passaria pelo PS guterrista, mas, além do exemplo, a candidatura de Nogueira deixou-nos um inspirador “Querer Fazer Portugal” que, uma vez ouvido, se torna impossível não trautear.

 

Durão Barroso e “Somos Todos Confiança” (2002)

O ano de 1999 traria uma nova vitória para o PS de António Guterres, mas também um vaticínio que se revelaria acertado apenas três anos depois. “Tenho a certeza de que serei primeiro-ministro, só não sei é quando”. Foi assim que José Manuel Durão Barroso, líder do PSD, digeriu a derrota de 1999 e antecipou logo a vitória de 2002, na sequência da qual e com o apoio do CDS-PP, viria a formar um Governo sustentado numa maioria parlamentar absoluta.
 

À vitória alcançada pelo PSD de Durão Barroso não terá sido alheio o apelo do seu hino de campanha, o qual, de forma inclusiva e intercalada com gritos de “Durão!”, anunciava que “Somos todos Confiança”.
O elemento patriótico – anunciado pelo ribombar dos tambores – entra logo a abrir com o apelo ao “Nobre e forte, és tu meu Povo / […] / Tens agora o Mundo todo, mostra o orgulho Portugal”. Mas se o século era novo, havia também uma referência saída dos idos de 1974, apontando para “o teu caminho que é verdade”, a fazer lembrar o “caminho da verdade” que nos levaria à paz, ao pão, ao povo e à liberdade.
 

Os valores da candidatura do PSD de 2002 eram vários – mudança, igualdade, confiança, competência, ação, trabalho – mas também “amor para todos nós” e alegria, num toque adicional de apelo emotivo, em que o cancioneiro social-democrata é tão rico.
Além de nos ter deixado um hino animado e inspirador e de, durante a sua liderança, ter suportado e superado as agruras do deserto da oposição para levar o Partido de novo ao poder, Durão Barroso projetou a representação do País a níveis nunca alcançados, com duas candidaturas bem-sucedidas à presidência da Comissão Europeia.

 

Campanhas Eleitorais 2004 "Novo Tempo”

2004 é  um ano política e eleitoralmente preenchido e, cumprindo o seu desígnio de partido competente e solução de governo, o PSD não deixa de se apresentar a votos, nas eleições para o Parlamento Europeu, sob o lema de “Força Portugal”, e nas eleições para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores, sob a designação “Coligação Açores”, em ambos os casos, coligado com o parceiro CDS-PP.
 

A solo e também em 2004, o PSD apresentou-se a votos nas eleições para a Assembleia Regional da Madeira, e aí somou a única vitória destes três desafios eleitorais.
 

É neste ano que surge o hino de campanha “Novo Tempo” (também referido por “Outro Tempo”), com letra e música de José da Ponte, e que, pelo que consegui apurar, terá sido usado em campanhas do PSD neste ano.
De ritmo lento e com recurso a coro com voz feminina, o “Novo Tempo” prometia “um país melhor”, que “queríamos todos juntos”. Nesse “país melhor” do “Novo Tempo”, uma vida melhor, esperança, segurança, alegria, futuro e progresso era o que todos queríamos “mais por si, mais por Portugal”.

 

Pedro Santana Lopes: “Viva Portugal” (2005)

Posteriormente, é já sob a liderança de Pedro Santana Lopes e numas eleições legislativas de 2005 precipitadas pela dissolução da Assembleia decretada pelo Presidente Jorge Sampaio, que o PSD se apresenta a eleições com vários hinos de campanha, dos quais começo por destacar “Viva Portugal” (apesar da nossa memória coletiva invocar imediatamente a “Menino Guerreiro”, cujo título daria um dos epítetos que se colariam ao antigo Primeiro-Ministro).
O elemento histórico-marítimo, timidamente ensaiado com o “Portugal esta Terra” cavaquista e que, desde então, povoa o cancioneiro social-democrata, surge-nos logo a abrir no “Viva Portugal” santanista, apesar de ser rematado por um apelo prospetivo a que Portugal abra a “porta do destino”:
“Somos atores da História, / De coragem e de glórias / Apre orgulho do passado / abraçado pelo mar / Para vencer os desafios / desse povo soberano / abre a porta do destino / que o futuro quer entrar!”
Se com o “Somos Todos Confiança” barrosista não faltou emotividade, o “Viva Portugal” leva os ouvintes para um outro patamar da galvanização.
Numa segunda parte bastante ritmada, surge o apelo a “uma nova força para o Mundo” de uma “geração Portugal”, acompanhado de exortações e gritos de “Viva Portugal”, vindos da alma e acompanhados de um bater no peito. A grandiloquência não se ficava por aqui e Pedro Santana Lopes era mesmo apelidado de “voz da vanguarda do futuro, / De Norte a Sul, / de todos nós”.
 

É também nas eleições legislativas de 2005 que surge uma outra proposta mais disruptiva, mas não menos patriótica, num ritmo quase de rap. Talvez recordando a onda patriótica que, durante o Euro 2004, varrera o País, de norte a sul, com uma bandeira em cada janela, “A Minha Bandeira” fala-nos desta bandeira “verde-rubro à janela”, cujo nome é “o meu orgulho” e em que Santana Lopes era apresentado como “o futuro certo que o tempo e a história vão contar”.
No entanto, todos estes apelos emotivos e patrióticos – “por amor a Portugal”, como se cantava n’“A Minha Bandeira” – não foram suficientes para convencer a maioria dos portugueses que, nas eleições legislativas de 2005, acabou a dar ao Partido Socialista a sua primeira maioria absoluta.

 

Pedro Passos Coelho: “Está na Hora de Mudar” (2011)

Sobrevoando os sete anos de Governo do PS de José Sócrates, chegamos a 2011 e às eleições legislativas causadas pela demissão do Primeiro-Ministro, na sequência do chumbo do “PEC IV”, o quarto Programa de Estabilidade e Crescimento através do qual se procurava fazer face à grave crise das finanças públicas que assolava o País.
 

O PSD, agora liderado por Pedro Passos Coelho, um antigo líder da Juventude Social-Democrata (a cujo hino voltaremos mais adiante) e conhecido também pelos seus dotes de tenor, apresentava-se a eleições com um apelo condizente com o ar de fim de ciclo que se respirava – “Está na Hora de Mudar”.
A mudança de poder que o PSD buscava vinha dos quatro pontos cardeais (“Este, Oeste, Sul e Norte / Um País unido e forte”) e de cada uma das capitais de distrito (na verdade, também da Europa e de “todo o Mundo”), que eram agrupadas sucessivamente de forma a rimar com os chamamentos de mudança, dos quais se destaca “E em Lisboa, a nossa capital, com Passos Coelho a confiança é total”.
 

Se mudança o PSD pediu, mudança o País deu. Apurados os votos, o PSD venceria as eleições e, juntamente com o parceiro CDS–PP, formaria uma maioria parlamentar absoluta que sustentaria o Governo de coligação durante quatro duros anos de implementação de um programa de ajustamento económico-financeiro.

 

“Agora Portugal Pode Mais” (2015)

Apesar de muitos teimarem (ou a muitos convir…) em esquecer, esse programa foi a contrapartida imposta pelos credores internacionais para emprestarem os fundos necessários para superar a gravíssima crise das contas públicas herdada pelos seis antecedentes anos de Governação socialista.
Superada a tormenta, surge 2015 e novas eleições legislativas, às quais o PSD, novamente liderado por Pedro Passos Coelho, o timoneiro dos tempestuosos anos da Troica, se apresenta agora em coligação pré-eleitoral com o parceiro CDS–PP, chefiado por Paulo Portas.
 

Libertados das amarras da Troica e do garrote imposto pelos seus condicionalismos, a coligação batizada de “Portugal à Frente” podia afirmar que “Agora Portugal Pode Mais”.
 

Embora haja gostos para todas as formas e feitios, parece-me evidente que este é dos hinos mais taciturnos do cancioneiro social-democrata. Embora não faltem os habituais apelos grupais que caracterizam os hinos de campanha e as referências expressas a elementos patrióticos (“A nossa alma não é pequena”), este hino pode revelar, no seu ritmo e na sua intensidade, a timidez dos anos pós-troica, que tantas feridas abertas deixaram na sociedade.
 

Apesar disso, a “PàF” cria que “cada vez mais somos mais a acreditar que valeu a pena” e a realidade eleitoral não nos iria desmentir: apurados os votos, a PàF revelar-se-ia a força eleitoral mais votada, com 1.993.921 votos, e só com uma coligação inesperada com os partidos à sua esquerda, o PS conseguiria impedir que PSD e CDS–PP governassem no contexto mais favorável que haviam proporcionado.
 

Foram quatro anos muito difíceis, mas que deixaram ao PSD e ao País a memória de um grande líder – Pedro Passos Coelho – e ao cancioneiro social-democrata um jingle de sucesso, o inesquecível “Está na Hora de Mudar”.

 

Rui Rio e “Novos Horizontes” (2022)

Se os seis anos de Governo do PS de José Sócrates pareceram longos e penosos, os quase nove anos de executivo da mesma cor partidária, sob a liderança de António Costa, muito mais pareceriam. Pelo meio, o PSD, liderado por Rui Rio, recupera para a ribalta dos seus eventos o icónico “Nós Somos Um Rio”, aproveitando a homonímia entre a canção e o líder.
 

Sem prejuízo da recuperação da icónica canção, o PSD de Rui Rio não deixa de se apresentar a eleições, em 2022, prometendo e cantando (ou prometendo, cantando) “Novos Horizontes” (também referida por “Defender Portugal”).
Com voz feminina e um ritmo bastante acelerado, dado pela viola de fundo, esta canção transmite uma ideia de grande movimento e energia, comparando o Rio-líder com o rio-caudal (“Como um rio corre para o seu mar / Assim Rui Rio corre por Portugal”).
 

Para Rio-líder, diz-nos a canção, os portugueses são “a sua missão e a razão de melhorar Portugal, Portugal”. Ademais, o líder é caracterizado por apelo aos valores em que erigiu a sua carreira política – a política autárquica (“o valor da sua experiência”), a sua incorruptibilidade (“a natureza da sua consciência”) e a sua competência. Este jingle de bailarico, perdão, hino de campanha, é, porventura, o hino de campanha mais centralizado no seu líder.
Contudo, os “Novos Horizontes” tardaram em chegar, pois em 2022, o PS veria a sua representação parlamentar reforçada pela segunda maioria parlamentar absoluta da sua história.

 

Luís Montenegro: “A Mudança está nas tuas Mãos”, “Filhos do Tempo” e “Deixa o Luís Trabalhar” (2024-2025)

O fim do costismo demoraria ainda dois anos e já não encontraria Rui Rio na liderança do PSD, mas sim Luís Montenegro, 19.º Presidente do PSD e 119.º Primeiro-Ministro da República Portuguesa.
Musicalmente, o PSD de Montenegro prepara duas “propostas”, com ritmos bem diferentes:
 

O primeiro é um slow com o título “A Mudança está nas tuas Mãos”, que fala na “esperança de ver nascer” e um “olhar bem no futuro e as mãos bem no presente”.
Com esta canção, o PSD dirige-se a um país desencantado, que “vê os nossos filhos tão longe, […] tanta gente sem casa, sem lugar”, concluindo que “já não dá para continuar assim”.
O elemento telúrico volta também em força, com apelos à mudança em nome “dos nossos filhos, nossos lares, nosso Portugal”, a par com o elemento emocional, que nos fala da “chama no peito” e da “força para lutar”.
Esta espécie de balada a um Portugal desencantado tem enxertado, pelo meio, um discurso do próprio Montenegro que é, eventualmente, das suas passagens retóricas mais fortes e que, por isso, não resistimos a transcrever:
“Portugal é uma terra de gente valente. Nós estamos aqui para fazer a mudança. Nós estamos aqui para dar a esperança. Nós estamos aqui para devolver qualidade de vida aos portugueses. Nós estamos aqui para dizer aos nossos jovens, para dizer aos seus pais, para dizer aos seus avós, que vale a pena viver em Portugal.”
 

Mas se, com a “A Mudança está nas tuas Mãos”, o ritmo era de balada, os “Filhos do Tempo” não quiserem esperar nem se fizeram rogados e apresentaram-se, através de um jingle memorável e ritmado (novamente os acordes da viola ao fundo), como “o filho do tempo, a esperança em movimento, o vento que não para de soprar".
Com confiança, a mudança diz que “está a chegar”, nos peitos e nas mãos dos portugueses, caminhando “agora, lado a lado”, num crescendo de ritmo até chegar ao refrão que exorta o povo social-democrata a ir com Portugal, na hora de fazer o País mudar.
 

O que começou como uma esperança, traduziu-se numa efetiva mudança, que os portugueses mostraram querer nas eleições legislativas de 2024, em que a coligação “Aliança Democrática”, a nova, mas que volta a contar com os parceiros CDS–PP e PPM, vence à míngua.
 

A parca maioria obtida pelo PSD e os seus parceiros ditaria as circunstâncias difíceis em que o Governo liderado por Luís Montenegro exerceu a sua ação governativa e ditou a queda do mesmo em 2025, com a rejeição de uma moção de confiança.
 

O País é novamente chamado a eleições no espaço de um ano e o PSD, agora apenas coligado com o CDS–PP, lança um apelo claro aos portugueses para que o apoiem e lhe permitam o que a oposição não quis – “Deixa o Luís Trabalhar”.
Este hino de campanha recupera a linguagem metafórica de “A Mudança está nas Tuas Mãos” e dos “Filhos do Tempo”, abrindo logo com a referência a que “cada caminho já teve o primeiro passo e cada fruto um dia já foi semente”.
Mas as metáforas não escondem o contexto que levou o País a estas eleições e o refrão é claro no que a AD pretende destas novas eleições:
“Deixa o barco navegar, não é hora de parar, a esperança vai renascer, deixa a gente ser feliz, deixa o Luís trabalhar”.
É uma música da circunstância, que não ignora os ataques da oposição ao carácter do líder Montenegro, reforçando a “palavra” o “valor” do nosso Luís.
 

Apurados os votos, uma “maioria maior” (a que a AD tanto apelou na campanha) dos portugueses deixou o Luís trabalhar, aumentando muito substancialmente a distância para o segundo classificado apenas em números de votos – o PS – porque o Chega, causando a surpresa eleitoral da noite, recolhe agora o segundo maior número de mandatos parlamentares.

 

Hino JSD “Puxa por Portugal” – 1999

Por fim, mas não por último, é da maior justiça incluir uma referência mais que honrosa ao hino da JSD, com letra e música – tanto quanto pude apurar – de Sara Balonas e Pedro Lima e lançado em 1999, durante o mandato do Pedro Duarte.
Com uma batida mexida, a primeira estrofe resume perfeitamente o propósito e o ideário da ala de juventude do PSD, quando anuncia que “Vamos puxar Portugal / com garra e paixão / lutar por um ideal / para a nova geração”.
Esse ideal por que a “Jota” pretende lutar é o mesmo pelo qual “quem é Jota” é “da Jota até ao fim”.
Esse mesmo fim que, logo no início, muito vaticinaram ao PSD e, de então para cá, se repetiu em sucessivos (quanto exagerados) anúncios de morte do que Eurico de Melo apelidou, muito justamente, do “mais belo Partido de Portugal”.
 

Se havia outros propósitos neste texto –que não fosse ter um pretexto para voltar a ouvir, pela enésima vez, o cancioneiro social-democrata – espero tê-los cumprido: por um lado, mostrar que, a par com o “mais belo Partido de Portugal”, o PSD tem o mais belo cancioneiro deste País e que, tal como o “Portugal do Futuro”, que cantámos ao lado de Fernando Nogueira, o PSD “não tem mais fim”.

 

Leia o texto completo de André Morais na Edição do POVO LIVRE de 24 de setembro de 2025