José Cancela Moura: A ministra virtual

14 de outubro de 2021
PSD sns Saúde hospitais

O SNS volta a viver dias de agonia e a responsabilidade é do Governo socialista. Um grito de revolta ecoa nas unidades de saúde de Norte a Sul, onde todos os profissionais – médicos, enfermeiros, técnicos e administrativos – em desespero de causa, clamam por mudanças urgentes, depois de sucessivos apelos de revolta e greves, em vão.

Em Setúbal, no Hospital de São Bernardo, a falta de médicos e de enfermeiros e a degradação das instalações obrigaram o diretor clínico e mais 86 médicos a apresentar a demissão. Foi a maior renúncia voluntária em bloco de profissionais, desde a fundação do SNS.

Em Penafiel, no Hospital Padre Américo, os doentes desesperam nos corredores à espera de internamento uma das três unidades do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa.

No Porto, oito clínicos responsáveis pela Urgência Metropolitana de Psiquiatria apresentaram demissão conjunta à Administração Regional de Saúde do Norte (ARS-Norte) perante a “ausência de respostas e resolução dos problemas” reportados há muito tempo. 

Em Vila Franca de Xira, os pacientes são observados numa garagem, apesar de as instalações serem recentes. O Governo rasgou a parceria público-privada, mas não resolveu a insuficiência de meios humanos e técnicos.

No Centro Hospitalar de Leiria (CHL), faltam 50 especialistas de Ortopedia, Cirurgia, Medicina Interna e Ginecologia/Obstetrícia e as urgências fecharam e só recebem doentes referenciados.

No IPO de Lisboa, os doentes viram suspensos os tratamentos de quimioterapia, por escassez de enfermeiros. 

No Hospital Egas Moniz, a carência de anestesistas levou ao cancelamento de cirurgias, que estão a ser asseguradas por unidades privadas – uma clínica na Reboleira e o Hospital SAMS. 

Em Beja, no Hospital José Joaquim Fernandes, o Serviço de Urgência de Obstetrícia e Ginecologia esteve encerrado durante 48 horas, porque não dispunha de clínicos de Obstetrícia para o preenchimento das respetivas escalas.

No Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), só o sacrifício dos médicos permitiu colmatar a “alarmante situação de falência” e as carências nas urgências pediátricas.

Os problemas são graves e estão por todo o lado. Rutura nas urgências, deficiente funcionamento de escalas das especialidades, da pediatria à ortopedia, da cirurgia à via verde AVC, cuidados primários de saúde em pré-colapso, ausência de condições de atratividade dos médicos para o interior e subfinanciamento crónico dos centros hospitalares. Assina por baixo a ministra Marta Temido. 

Apesar do Governo ter inscrito mais 703 milhões de euros na proposta de Orçamento do Estado de 2022 para o Ministério da Saúde, as juras de amor da ministra sobre investimento não estancam a hemorragia do SNS. O diretor do Centro Hospitalar de Setúbal há poucos dias era perentório: o SNS está “capturado por uma estrutura burocrática pesadíssima e crescente, que asfixia e parasita aquilo que melhor foi feito nas últimas quatro décadas”.

Não obstante a ministra, em estado de negação, teima em não compreender a realidade. É uma ministra virtual, em modo de Linha Saúde 24, incapaz de tomar decisões e refém de uma esquerda radical e ortodoxa, que vai esgotar tempo e recursos sem encontrar soluções. A crise sanitária expôs uma ministra que, verdadeiramente, nunca se preocupou com o SNS e que esteve sempre mais interessada em afirmar-se como militante do PS do que cumprir cabalmente as funções de ministra.

Um Governo em dissonância e em rota de colisão com a realidade, obcecado com propaganda barata, sem liderança nem estratégia, que tem a melhor definição no que podemos designar momentum de vitimização de Armando Vara: “Estive dois anos e 9 meses a cumprir pena por crimes que não cometi”, como afirmou o ex-bancário, que também é ex-banqueiro. 

Na Saúde, o Governo está há seis anos a fazer de conta que faz e, entretanto, a culpa morre solteira. Portugal ainda corre o risco de ter de pedir perdão a Armando Vara ou os utentes mostrarem arrependimento, se quiserem ser tratados com dignidade no SNS, que o PS despreza e arruína a cada dia que passa. 

Artigo publicado originalmente no Povo Livre