José Cancela Moura: Folclore

31 de março de 2021
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O Governo está indignado, porque a Assembleia da República aprovou três diplomas destinados a reforçar os apoios sociais, promulgados pelo Presidente da República no passado domingo, por corresponderem, segundo o chefe de Estado, “em diversas matérias, na substância e na urgência, a necessidades da situação vivida”.

O PS ameaça inclusivamente recorrer ao Tribunal Constitucional, para aferir da regularidade constitucional daqueles diplomas.

No entretanto, a administração do Novo Banco anunciou que vai pedir mais 600 milhões de euros ao Fundo de Resolução ao abrigo do Mecanismo de Capital Contingente, para responder aos prejuízos de 1.329,3 milhões de euros de 2020 e o Primeiro-Ministro reagiu com palavras mansas, de malabarista, como já é apanágio. “É um pedido, será devidamente apreciado, como o Ministério das Finanças já disse”, afirmou António Costa.

Temos, assim, um PS que, quando estão em causa prioridades políticas, tem dois pesos e duas medidas. Para o Novo Banco, saem dos cofres mais umas centenas de milhões, sem tugir, nem mugir. Para as famílias e para as empresas, e quando estão em causa 40 milhões mensais para apoios sociais, o PS ameaça com inconstitucionalidade e encena, de novo, uma crise política artificial, que infelizmente, todos sabemos, ocorrerá mais tarde ou mais cedo porque, como de resto, lembrou o Presidente da República, o Governo não dispõe de uma maioria parlamentar.

Desde 2017, os custos com o Novo Banco são de quase 8.000 milhões de euros, valor que, também todos sabemos, não vai ficar por aqui. Quando falamos de medidas que corrigem injustiças, alargando o universo e o âmbito dos apoios sociais previstos para trabalhadores independentes, gerentes e empresários em nome individual, pais em teletrabalho e profissionais de saúde, então o Governo amua e invoca a lei-travão. Um autêntico folclore.

No meio desta confusão, o PS procura intoxicar a opinião pública, requerendo a audição presencial de Carlos Moedas, na comissão de inquérito do Novo Banco. Como se uma coisa tivesse alguma coisa a ver com a outra. Aquilo que assusta o PS é a credibilidade e a elevação de Carlos Moedas, cujo anúncio da candidatura à capital, pôs desde logo em causa, um presidente de Câmara que governou para os grupos de interesse e para turistas pagantes, de taxas e taxinhas.

Na última sexta-feira, o presidente executivo do Novo Banco declarou que o “processo de reestruturação” está em curso e que o próximo ano será de “crescimento e de rendibilidade”. Pudera, à razão de 500 milhões por ano, desde uma venda desastrosa à Lone Star, qualquer um poderia fazer esta afirmação.

Em tempos pascais, podíamos quase acreditar na ressurreição do Novo Banco, mas a verdade é que a instituição que continua apenas a ser um sorvedouro dos dinheiros públicos. Até António Ramalho tropeçou nas suas próprias palavras, quando admitiu que a instituição irá contar com futuras injeções do Fundo de Resolução, até 2026.

O último garante e o seguro do Novo Banco é o Tesouro português e o dinheiro dos nossos impostos irá continuará a pagar o calvário de imparidades, provisões e incumprimento de clientes e avaliações, leia-se empresas e negócios falidos. 

O PS, na sua peculiar maneira de desgovernar, continua forte com os fracos e fraco com os fortes. É sempre mais fácil salvar um banco do que aprovar apoios que visam atenuar o impacto social de uma crise económica devastadora na vida de milhares de uma nação inteira. O PS tem de decidir de que lado está. Se do lado dos bancos, da EDP ou da TAP, onde injeta milhões, sem resolver coisa nenhuma ou do lado das famílias, das pequenas e médias empresas e dos setores sociais mais atingidos pela crise, onde não quer por dinheiro nenhum.

A Constituição não pode ser uma arma de arremesso político, nem servir de narrativa para criar ruído mediático. Tem de ser antes um instrumento para proteger o Estado de direito, até das derivas do próprio Governo. Não pode, seguramente, servir para defender os interesses dos mais fortes e dos mais privilegiados. Seria absolutamente injusto e, para além do mais, imoral.

Artigo publicado originalmente no Povo Livre