José Cancela Moura: O infiltrado

17 de junho de 2021
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A cedência de dados pessoais confidenciais a representações externas, como da Rússia, China, Venezuela e de Israel mostra que, com esta prática, a Câmara de Lisboa, usurpou as competências do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que deveria ser o único interlocutor das relações diplomáticas. A autarquia da capital, afinal, tem agido como parte da Convenção de Viena, ao nível das relações diplomáticas. Inacreditável!

Lisboa é hoje um marasmo na circulação automóvel, no apoio ao comércio e economia locais, no urbanismo – com a entrega do espaço público aos construtores – na habitação, onde a maioria dos jovens continua sem acesso e obrigada a instalar-se na periferia, e até nas suspeitas judiciais que envolvem vereadores. Ficámos agora a saber que a Câmara também convive bem com a delação.

Medina qualifica o incidente como “erro dos serviços”, mas permitiu que a própria Câmara funcionasse como célula inimiga dos interesses de Portugal. O procedimento, que parece que era habitual, expôs um edil que ficou às aranhas e que se mostra “inepto” para o exercício de funções. Na verdade, Medina recebeu a Câmara de mão beijada, o legado de Costa.

Em entrevista ao Telejornal, da RTP1, Fernando Medina simplesmente mentiu. Começou por dizer que ouvira falar do episódio “há poucos dias pela comunicação social”; mas, antes, declarava que, em abril, determinara uma auditoria para apurar a forma como haviam sido tratados todos os pedidos de realização de manifestações anteriores. 

“Eu assumi por inteiro as responsabilidades da câmara e o erro que a câmara cometeu e anunciei, nesse mesmo momento, a realização de uma auditoria urgente ao que se passou naquele processo em concreto e em relação aos outros”, disse Medina. O problema é que não assumiu nada. Mentiu, mentiu e se o disser de novo, voltará a mentir.

A verdade é que a Câmara de Lisboa pôs em risco a segurança e colocou em perigo, pelo menos, dois dos ativistas russos, que são também cidadãos nacionais. O Ministério da Administração Interna e o Ministério dos Negócios Estrangeiros sabiam do procedimento, pelo menos, desde março, receberam uma queixa, e não fizeram nada.

A reação de Augusto Santos Silva é simplesmente patética e insulta a inteligência dos portugueses. “Espero que as autoridades russas que receberam indevidamente os dados cumpram as leis internacionais e os apaguem”, afirmou o ministro, que é o chefe da diplomacia, uma pasta que carrega o peso do Estado e, tradicionalmente, ostenta dignidade e competência. Portugal pode orgulhar-se do seu corpo diplomático, mas o corpo diplomático só pode sentir-se envergonhado de um ministro responsável que trata assim, de forma simplória, a condução da política externa.

A Câmara também diz ter solicitado à Embaixada da Federação Russa para apagar os dados pessoais dos manifestantes e esta assegura que os eliminou e que não os enviou a Moscovo. Estamos gratos por estes gestos, mas eles não apagam a gravidade do caso que, segundo o Chefe de Estado, obrigará à atualização da máquina administrativa(!) Só? E quanto a responsabilidades, como é que ficamos?

De que está à espera o Ministério Público para investigar a ocorrência dos atos desta natureza? Podem os eleitores confiar num Presidente da Câmara que é cúmplice dos regimes que perseguem os seus críticos e violam, de forma grosseira e reiterada, direitos, liberdades e garantias fundamentais?

Em tempos, o PCP entregou ficheiros e segredos de Estado a Moscovo; durante uma década, autarcas socialistas cederam informação a entidades que perseguem, prendem e matam, até mesmo fora dos seus territórios. Basta lembrar o assassinato de Anna Politkovskaya, em Moscovo, ou o envenenamento de Alexander Litvinenko, em solo britânico.

“Demasiado grave para ficar impune”, escreveu Vital Moreira. Concordamos em absoluto.

Para todos os que entendem que há linhas vermelhas que não podem ser ultrapassadas, este caso não foi só um erro administrativo, mas antes uma sucessão de procedimentos censuráveis e deploráveis. Não basta pedir desculpa ou dar a garantia de não haver “a repetição de um procedimento burocrático”. As desculpas não se pedem, evitam-se.

A incompetência tem um nome e não pode ser premiada: Fernando Medina, o infiltrado. 

Artigo publicado originalmente no Povo Livre.