José Cancela Moura: "La dolce vita"

29 de julho de 2021
PSD Justiça portugal DDT

Os melhores amigos dos banqueiros são normalmente outros banqueiros. E quem tem banqueiros entre os amigos, tem amigos para a vida, uma porta que nunca se fecha, mesmo quando caem em desgraça.

Mesmo na “ruína”, os ex-banqueiros continuam a levar a vida que sempre tiveram e que a maioria do comum dos mortais nunca teve. Isto porque, normalmente, acumularam muita riqueza, em muitos casos oculta, e têm uma árvore genealógica que gravita em torno de uma rede promíscua de gente habilitada em urdir influências sobre ex-membros do Governo, gestores, empresários, consultores, diretores de órgãos de comunicação, lobistas e especialistas em manipulação da realidade. 

Não são só os factos que precipitam o colapso dos bancos. É a própria essência da natureza humana que vem à tona após a derrocada dos impérios financeiros, construídos à custa de uma teia de poder que explora todas as falhas dos Estados, a omissão dos sistemas de regulação e o dinheiro dos outros.

A justiça autorizou a deslocação de Ricardo Salgado, à Suíça, por razões de saúde, mas não antecipou que este poderia trocar a Comporta e abusar deste pedido de autorização para dar um saltinho à Sardenha.

O arguido-chave da Operação Marquês, deitou mão da lei para estar ausente das sessões de tribunal, invocando os riscos associados à pandemia. Só que, sabemos todos, Salgado se passeou agora em férias, sem máscara, pelas ruas da ilha, quando semanas antes justificara a sua ausência para comparecer em tribunal, com medo da propagação da doença. Afinal, a pandemia foi um pretexto para ir de férias. 

A viagem de Salgado à Sardenha é uma inqualificável provocação a quem acredita no primado da justiça. O país real que já desconfia que, no caso, seja feita justiça, não compreende, de todo, direitos e fundamentos legais, que ferem a probidade da vida em sociedade. Pode um arguido, responsável pela destruição da poupança de milhares de depositantes e pela falência de um grupo financeiro com 150 anos, ter o direito de exibir-se com esta naturalidade, num destino turístico de luxo? 

Viajar pode até não ser um luxo, mas neste contexto, não pode colocar este arguido em situação de privilégio, como que acima da lei. A viagem de Salgado à Sardenha é a maior afronta e a maior falta de senso perante um país que paga, e vai continuar a pagar, os esquemas ruinosos da banca, das últimas três décadas.

Salgado, que confidenciara aos primos “estar rodeado de aldrabões”, tal era a quantidade de luvas que a corte lhe pedia para que pudesse concretizar favores, pode até estar a marimbar-se para justiça, face aos seus 77 anos de vida. A justiça é que não pode, nem deve permitir mais equívocos. A justiça está do lado do povo e do Estado de Direito ou de um arguido privilegiado pelo sistema judicial? 

Ricardo Salgado, que foi o Dono Disto Tudo, brinca com a justiça e o resultado final pode ser uma sentença anedótica, que só não dará para rir porque há aforradores que perderam todas as suas poupanças, perante uma matilha insaciável que abusou da sua confiança.
 
Os lesados do DDT, depositantes e pequenos acionistas, provavelmente vão ficar de mãos a abanar e nunca terão a merecida reforma para a qual se sacrificaram numa vida de trabalho, enquanto o principal suspeito pelo crime alimenta la dolce vita, à grande e à francesa, no conforto do bom e do melhor. Afinal, às vezes, o crime compensa. 

A caução de três milhões de euros, que o arguido teve de pagar para aguardar julgamento em liberdade, já foi um mau indício. A justiça não anda bem quando permite que um arguido aguarde julgamento em liberdade, a troco de uma caução de trocos, quando se suspeita da titularidade de muitos milhões em offshores.

Mas estas autorizações de saída para o estrangeiro ameaçam abrir um fosso ainda maior entre as autoridades judiciárias e os cidadãos. Por este andar, ainda concedem uma precária a Armando Vara, para passar férias nas Maldivas.

Artigo publicado originalmente no Povo Livre